Sou do seio das catingas
Lá das bandas do sertão
Carrego na veia a essência
Dos acordes do azulão
Do açum preto, o sustenido
Da cigarra, o alarido
Da coruja, a solidão.
Bode deserto no pasto
Apartado do rebanho
Asa Branca em retirada
Cobra que não tem tamanho
O tatu-bola escondido
Um lobisomem sofrido
Assanhaço sem assanho.
Umbuzeiro não dá coco
Coco não vira melão,
Eu que já nasci caboclo
Vou viver lá no sertão
Sou caipira itinerante
Águas velozes do rio
Bem-te-vi anunciando
Que andorinha está no cio
O verão queimando a mata
Um cachorro vira-lata
Todas as noites de frio.
Urubu buscando a presa
Papagaio falador
Gavião beijando as nuvens
Inocente beija-flor
Sou preguiça descansando
Nessa estrada passeando
Sem inveja do condor.
Umbuzeiro não dá coco
Coco não vira melão,
Eu que já nasci caboclo
Vou viver lá no sertão
Sou a imensidão do açude
Suas águas cristalinas
Lágrimas desatinadas
Escorrendo nas colinas
Todo o frio das invernadas
A solidão das manadas
As serpentes assassinas.
Sou o abôio dos vaqueiros
Pelos ventos da alegria
Nessa estrada empoeirada
Seja noite ou luz do dia
Sou o berro da manadas
As estrelas prateadas
A viola e a cantoria.
Umbuzeiro não dá coco
coco não vira melão,
Eu que já nasci caboclo
vou viver lá no sertão
Sou o mistério luminoso
Do pequeno vaga-lume
Brincadeira de cometas
Das rosas, todo o perfume
Sou a solidão das rochas
O fogo aceso das tochas
Das noites, todo o negrume.
Rodas do carro-de-boi
Nas estradas do sem fim
Com seu gemido sem cura
Acenando adeus pra mim
Apagando da memória
A doce infância de glória
Deste louco querubim…
Autor: Antonio Barreto.
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